A cortiça é um produto natural, muito português e com características técnicas únicas, cujo interesse tem crescido muito nos últimos anos, permitindo-lhe uma enorme evolução e integração em diferentes sectores da nossa economia:
No sector alimentar, no vinho por exemplo, no sector da moda com representação no calçado e acessórios ou no vestuário, no sector do design, nos pequenos ou grandes objectos do nosso quotidiano, no sector do mobiliário, em soluções interiores ou exteriores e no sector da construção onde, desde há muitos anos, se posiciona com resultados extraordinários quer como protagonista nos revestimentos quer nos papéis de 2ª linha onde as suas características se tornam protagonistas de eficiência, sustentabilidade e viabilidade.
Vamos agora perceber o que é este material e o papel importante que pode desempenhar nas nossas casas.
Antes de mais, a cortiça é um material português por excelência. Conhecida como a capital da cortiça, Coruche é a região do país com o maior montado de sobro. É assim chamada porque o sobreiro é a árvore que nos dá a cortiça. O Ribatejo e o Alentejo são as regiões onde este tipo de montado é mais comum. A cortiça é muito importante para a economia destas regiões. Em Coruche, existe uma feira anual de cortiça, a FICOR, que se realiza normalmente no último fim de semana de maio. Em Coruche existe o sobreiro e o observatório da cortiça.
A cortiça provém da casca desta árvore, que se regenera de 9 em 9 anos, pelo que é necessário esperar 9 anos para cada extração de cortiça de cada árvore. É um material essencialmente 100% natural, que oferece vantagens únicas em termos de ecologia e sustentabilidade, uma vez que o seu processo de transformação é muito curto.
Embora a estética seja sempre objeto de debate, porque o que é bonito para uns pode não ser para outros, a cortiça, como material natural, combina extraordinariamente bem com a madeira ou a pedra.
A sua integração na indústria da construção não foi imediata, pois temia-se que este material não oferecesse a resistência necessária ao sector, mas ao longo dos anos este material adquiriu uma presença única na construção e evoluiu enormemente.
Inicialmente, era utilizado apenas em edifícios e espaços secundários e escondidos, porque, como material natural, a cortiça reage a factores externos e altera-se com o tempo. Era comum aplicá-la numa cor mais viva e, com o passar dos anos, começou a adquirir uma tonalidade mais seca.
Observámos por esta razão uma entrada tímida da cortiça no sector.
Começámos por ver a cortiça a forrar estúdios de som, pois é um material com vibração quase 0 o que faz dela um isolamento acústico extraordinário que era muito apreciada por profissionais do som por não se sentir a sua presença.
Um pouco mais tarde começou a ser usada nos pavimentos e no revestimento das caixas de escadas dos anos 50, foi talvez a primeira e tímida experiência da cortiça a juntar as suas características acústicas, pois a caixa de escadas é uma chaminé de som em qualquer edifício, com as características estéticas que davam uma temperatura visual mais quente a este espaço que geralmente era frio. Desempenhava uma terceira característica, a de protecção das paredes, pois a cortiça convivia bem com os pequenos toques que os sacos das compras ou as malas davam nas paredes ao longo do percurso das escadas.
Resultado em plenos anos 50: mais isolamento, melhoria estética, melhor temperatura visual e menos manutenção. Inconscientemente estava lançada a cortiça como material diferenciador.
Lembro com saudade o prédio onde viveram os meus avós na Alameda D. Afonso Henriques em que a caixa de escadas era forrada a cortiça, muito comum nesta época de construção.
Numa segunda fase percebeu-se que a cortiça para além de boas características acústicas, também assumia características de isolamento térmico por a sua inercia térmica ser extraordinária. Começando a surgir o aglomerado de cortiça como hoje o conhecemos e que começou a ser usado como um isolamento comum, no interior das caixas de ar das paredes e passou posteriormente também para o exterior em sistema de capoto ou ETICS e mais tarde de forma assumida como revestimento também, acumulando funções.
Aos poucos percebeu-se que se se aumentasse a espessura da cortiça esta também assumiria características mecânicas que aguentariam os esforços de compressão o que lhe traz a capacidade de em alguns casos poder ser autoportante ou até mesmo estrutural, dando assim inicio ao uso de blocos de aglomerado de cortiça.
A estas três características que já de si são raríssimas de encontrar num único material, acústica, térmica e de resistência mecânica, juntamos a flexibilidade pois a cortiça até determinadas espessuras permite ser curvada sem quebrar, sendo por isso muito fácil utilizá-la como revestimento de superfícies curvas ou até mesmo na eliminação de algumas pontes térmicas geradas pela dificuldade do material se adaptar à base onde esta a ser aplicada.
A cortiça é um material de corte simples podendo ser aplicada em vários formatos espessuras e dimensões. Pode ser aplicada a rolo em situações de isolamento em que se pretende anular pontes térmicas ou acústicas, sob os pavimentos por exemplo, como pode ser aplicada em polígonos como revestimento ou como base de outros revestimentos que se escudam da cortiça para ganhar outros argumentos de aplicação.
As finas espessuras que podemos atingir com a cortiça sem perda das características de isolamento, acústico ou térmico são impressionantes e são um argumento muito importante na reabilitação de edifícios pois conseguimos corrigir ou melhorá-los de forma imediata e sem recurso à mudança de espessura dos suportes.
Do ponto de vista ainda mecânico assume-me como um material com uma boa reação elástica o que lhe permite “trabalhar” com os outros materiais, termo técnico que descreve que a cortiça companha as dilatações ou retrações dos restantes materiais sendo por isso fácil aplicá-la sobre qualquer base ou sob qualquer revestimento sem a perda do seu efeito visual ou das suas características.
A sua elegância faz-se notar e é consensual seja em utilizações mais simples, seja em espaços mais nobres ninguém fica indiferente a uma parede de Aglomerado Negro de Cortiça ou a uma parede revestida a painéis de cortiça bem acabada.
A multiplicidade de funções tem sido muito apreciada por arquitetos portugueses ou estrangeiros e tem ganho algum protagonismo junto dos mercados de luxo nacionais e internacionais, não pelo preço, porque até neste factor é possível encontrar soluções de cortiça para todas as carteiras, mas pelas suas características técnicas, aliadas à estética à qual se junta a sustentabilidade de usar um material natural com pouca transformação.
É um material com charme, visualmente agradável, multidisciplinar, multifuncional, ecológico, sustentável, com um custo que se pode adaptar a qualquer pessoa e que é português.
A cortiça como hoje a conhecemos é como se fosse o patinho feio da construção que passou a ser um bonito cisne. A evolução foi exponencial e é um material único.
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